Riso crescente
Diabólico riso a noite traz,
sorriso lácteo em meio à brisa escura.
Nem as nuvens demovem-no; mordaz,
gargalha à feia morte e à formosura.
Dos cínicos, a sátira desfaz
o sorriso de prata das alturas.
E tocando o bordão das coisas más,
o astro sorri de nossas desventuras.
Se além da escuridão rosto não vejo,
ouço a sinistra Lua que consola
com seus loucos e mágicos arpejos.
Tudo é risível! Tudo é pequeneza!
A virtude profunda se estiola
no imenso gargalhar da natureza!
Proteu
Ergo a vista ao profundo céu agora
onde no ar digladiam mil brancas hostes,
retrato do que és e do que foste,
erguendo as mãos ao sangue das auroras.
Não somos mais os mesmos, os de outrora
(resta-nos a canção a confundir
o silêncio das coisas no porvir),
o vento leva as nuvens sem demora.
Quando os anjos da morte ressoarem
as pútridas cornetas pelos ares
e em teu batel vagares mansamente
o cintilante dorso da onda ausente,
contempla a natureza e te desfaz,
mudaste sempre, sempre mudarás.
Sob a lua vagueia
Sob a Lua vagueia estranha corte,
heróis em armas, pálidos aedos,
brancas donzelas saltam do arvoredo
e, em fúria, os lobos uivam para a morte.
“Quem sois, visões etéreas sob olmedos?” –
no campo lhes gritei em meu transporte –
“Conduzireis aonde o altivo porte?”
Silêncio… e o vento canta nos rochedos.
E quis me aproximar, seguir meu fado,
então um velho rei paramentado
bradou: “Somos o exército dos sonhos,
afastai-vos, mortal, pela outra via!”
– “Mas no altar eu comungo da Poesia!”,
disse, e o rei acedeu co’o olhar tristonho.